Prêmio Bernardo Brunstein

Nos últimos anos o Instituto de Terapias Integradas de Porto Alegre vem trabalhando para unir o ambiente acolhedor, o envolvimento e comprometimento dos seus membros e a seriedade e profundidade do ensino do Teoria e Técnica Psicanalítica. Sem dúvida o Dr. Bernardo Brunstein, idealizador e fundador do ITIPOA, representa esta união.

Nos seus 82 anos de vida, o Dr. Bernardo encantou a todos com sua capacidade produtiva, assim como o prazer e entusiasmo com que atuou na nossa instituição e a fez crescer.

Por tudo isso, a Diretoria de Pesquisa e Produção Científica em parceria com a Diretoria de Ensino apresentou em dezembro de 2013 a primeira edição do Prêmio Bernardo Brunstein que além de homenagear nosso fundador e manter viva nossa história, tem o objetivo de seguir impulsionando o crescimento que tanto investimos e buscamos através da escrita científica.

Giovanna Miron dos Santos

Diretora de Pesquisa e Produção científica ITIPOA

 

1o Edição do Prêmio Bernardo Brunstein – 2013

 

Trabalho vencedor: Marcas para viver, tempo de Nascer. Reflexões sobre as exigências técnicas impostas pelo trabalho com pacientes – técnica do manejo como chamou Winnicott – que ainda não se tornaram pessoas totais.

 

Autora: Milene Wolff Mühle

 

Resumo: O trabalho se propõe enfocar a partir da contribuição de diferentes ciências a importância do estudo do universo primitivo, desde a concepção, para poder acompanhar pacientes que ainda não se tornaram pessoas totais. A partir de um atendimento proponho uma relação com o período pré-natal, especialmente o parto. Buscando amparo no referencial de Donald Winnicott.

 

Palavras-chave: universo primitivo; regressão à dependência; técnica do manejo; trauma do nascimento.

 

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Winnicott em Teoria do relacionamento paterno-infantil (1960) refere que o terapeuta que atende as necessidades de um paciente ao reviver esses estágios precoces na transferência, sofre mudanças similares as que ocorrem a mãe ao cuidar de seu bebê; mas o terapeuta, à diferença da mãe, precisa estar atento à sensibilidade que se desenvolve nele como resposta à imaturidade e dependência do paciente.

Para acompanhar esses pacientes que vivem no universo primitivo é necessário conhecer diversas ciências para compreender do que o paciente necessita. Quando lidamos com pacientes que regridem à dependência é preciso um afinamento da escuta que deve ser a partir de todos os órgãos dos sentidos, é preciso, ao terapeuta, imaginar o inimaginável para poder suportar as tensões que são pertinentes a essa tarefa.

No caso específico deste atendimento, tinha consciência de que a relação estabelecida representava para o paciente talvez a primeira oportunidade de se reconhecer. Daí o aprendizado: os limites de cada atendimento não são estanques nem rígidos. Devem ser estabelecidos a partir das vivências de cada uma das partes envolvidas. Esse limiar precisa ser trabalhado para que o vínculo seja forte suficiente para encorajar o paciente nessa viagem na busca de existir.

Muitas vezes nós, terapeutas, sem nos darmos conta norteamos nosso trabalho por teorias que estão parcialmente entendidas. É preciso considerar, no entanto, que a complexidade dos conceitos da teoria psicanalítica só poderá ser apreendida, se tivermos a oportunidade de entender o paciente em sua totalidade. Todos aqueles que se aventuram no ofício de psicanalisar estarão em contato com um sujeito que se constitui por meio de sua relação com o outro.

Para dar conta desses pacientes é preciso ampliar simultaneamente mais fronteiras: a da teorização, a da técnica e a da escuta, dentre outras. Trabalhar nesta vertente continua sendo um desafio e uma necessidade.

Quanto mais se conhece acerca da natureza humana – desde os avanços à respeito da concepção, passando pelos primeiros anos de vida, com as experiências próprias, assim como o papel do ambiente, da cultura, da transgeracionalidade – mais condições teremos de acompanhar os pacientes que ainda não se tornaram pessoas totais. Nesses casos, a teoria do amadurecimento de Winnicott é o embasamento teórico que oferece, ao terapeuta, em seu trabalho especializado, os entendimentos necessários para compreender cada fase do desenvolvimento.

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2o Edição do Prêmio Bernardo Brunstein – 2014

 

Trabalho vencedor: Gestando a gestação: A transparência psíquica embalando a gestante no tempo e no espaço da gestação

 

Autora: Maria Alice Vianna

 

Resumo: A gestação é um momento de grande transformação física e psíquica da mulher e que evoca, devido ao estado de transparência psíquica, a revivência de conflitos infantis e de angústias muito primitivas. É caracterizada por um intenso investimento em sua história pessoal e por um tempo que lhe é bem peculiar. Destaca-se a relevância de um reencontro da gestante com sua mãe terna da infância para um transcorrer saudável da gestação. Um ser olhada e cuidada pela mãe, que lhe permite fazer o mesmo com o seu bebê. Enfatiza-se também a importância da prevenção, que, ao cuidar-se da gestante, também é uma forma de cuidar-se do futuro bebê, sendo relevante, muitas vezes, a intervenção psicoterápica, também como uma ferramenta de prevenção, sobretudo nos casos em que há um adoecimento psicossomático.

 

Palavras-chave: Gestação; Transparência Psíquica; Prevenção; Cuidado

 

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Assim pensou-se num processo: gestando a gestação. Ao mesmo tempo em que o bebê é gestado, a mãe, também precisa ser gestada, seja pela sua própria mãe, pelo companheiro, pela obstetra, pela psicoterapeuta. Ser gestada, escutada, acolhida, amparada… enfim, cuidada. Sabe-se que o pai também necessita de cuidado… e é aí que entra o ambiente maior, familiar, que, ao cuidar do pai, propicia a este cuidar da mãe-gestante, e depois da dupla mãe-bebê. É nesse contexto que se buscou relacionar os conceitos Winnicottianos de tempo e espaço do estágio mais primitivo do desenvolvimento do bebê com a vivência da maternidade durante a gestação enquanto esta também evoca de primitivo.

Pôde-se perceber o quanto é necessário que a mãe possa acolher o seu bebê não apenas no espaço corpo-útero, mas também no espaço de sua mente assim como na mente do casal. E isto precisa de um tempo… tempo para que ela entre num estado regressivo de transparência psíquica, a fim de que possa comunicar-se com seu bebê. E isto requer conectar-se também com sua história(s), sua intimidade, seu íntimo, através do bebê. Um tempo que lhe é peculiar.

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Pode-se dizer que, assim como o inconsciente se revela através dos sonhos, atos-falhos e sintomas, ele também se revela na gestação através do estado de transparência psíquica. Nessa perspectiva, o fenômeno de transparência psíquica remeteu, para a autora, a conceitos metapsicológicos da carta 52. Nesta, o aparelho psíquico é descrito como sendo formado por um processo de estratificação sucessiva, onde os traços de memória estariam sujeitos, de tempos em tempos, a um reordenamento segundo novas circunstâncias, a uma retranscrição. A memória é registrada, assim, em diferentes espécies de indicações. Todo acontecimento psíquico fica assim gravado na memória, através de registros diferentes, desde o mais primitivo inconsciente até a possibilidade de se tornar consciente. (Freud,1990).

Conforme Freud (1990), os sucessivos registros representam a realização psíquica de épocas sucessivas da vida. Na fronteira entre essas épocas, deve ocorrer uma tradução do material psíquico, ou seja, uma retranscrição. Quando falta ou falha este novo arranjo do material, ele permanece de acordo com as leis vigentes no período anterior, produzindo um anacronismo, um fuero (região que vigora com leis próprias). Passou-se a refletir se o que surge, durante a gravidez, em virtude da transparência psíquica, seria da ordem do que não foi retranscrito? E assim sendo, de que tempo psíquico seria este material? Compreende-se que a transparência psíquica pode revelar esses conteúdos arcaicos, que não foram retranscritos, sendo que, na gestação, aparecem como sintomas somáticos, angústias psicóticas, sensações estranhas, terrores sem nome, e histórias “não compreendidas”.

Questionou-se também se na gestação não haveria então uma primeira oportunidade de um dado material da ordem do transcrito poder ser metabolizado, representado. Seria então, sobretudo nesses casos, em que a palavra não tem alcance, por ser da ordem do não vivido, do não representado, que o psicoterapeuta precisaria estar entregue com sua mente, seu corpo e seus órgãos do sentido para acolher a gestante. Sentir com seu próprio corpo, posto que a gestante não consegue expressar em palavras, e assim tentar juntas os fios que estão soltos dessas histórias, para que esta possa passar a fazer sentido. Isto é, pôr em palavras algo que é anterior à palavra, através do encontro com o corpo e com a linguagem do corpo.

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Buscou-se realizar este estudo a partir de um viés de desenvolvimento, da saúde e não da patologia. Mesmo quando há adoecimento, vê-se como algo, a princípio, mais circunscrito àquele momento específico. Foi sob uma perspectiva da prevenção, que se viu o quanto se faz relevante a compreensão desse momento vital do desenvolvimento, que é a gestação, não apenas nos que compete à psicoterapia, mas incluindo-se aí todo o ambiente maior que circunda a gestante: sua mãe, seu marido, os profissionais da saúde que a acompanham.

 

 

3o Edição do Prêmio Bernardo Brunstein – 2015

 

Trabalho vencedor: Quando um bebê não pode existir. Transparência psíquica, transgeracionalidade e segredos familiares

 

Autora: Paula Nunes Mousquer

 

Resumo: O presente estudo refere-se a Flávia*, uma primigesta que, às 40 semanas de gestação, vivenciou o óbito intraútero de sua filha. A partir daquele momento, iniciou acompanhamento psicológico em um hospital da rede pública de saúde de Porto Alegre. No decorrer dos encontros, a transparência psíquica vivenciada por Flávia possibilitou o acesso a histórias reprimidas, bem como a vivências carentes de representação simbólica. Evidenciou-se neste caso marcas da transgeracionalidade, ou seja, de uma transmissão psíquica caracterizada por fantasmas, perdas não elaboradas e vivências sem representação. Vários segredos familiares fizeram parte da história de Flávia e também da história de sua bebê, ao longo da gestação. Estes só puderam ser revelados após a morte da menina, uma bebê que não pode existir no psiquismo materno. A relação terapêutica possibilitou a vivência, por parte da paciente, de um cuidado ambiental acolhedor, atento, não intrusivo, sintonizado com o seu tempo e o seu ritmo.

 

Palavras-chave: Gestação; Transmissão psíquica entre gerações; Gerações; Família

 

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Na gestação e no puerpério, a transparência psíquica favorece o acesso a vivências e histórias reprimidas ou mesmo àquelas experienciadas em um momento primitivo da vida humana. O psiquismo transparente de Flávia* a conduziu a lembranças e questionamentos, (…). De fato, Flávia apresentava sintomas associados a possíveis registros sensoriais, de vivências primitivas, datadas da vida pré-natal.

Além da transparência psíquica, Flávia anunciava, ao longo do acompanhamento, marcas transgeracionais. Psiquicamente demonstrava ter herdado histórias vazias, segredos e fantasmas. Vestia-se de preto e portava criptas, acontecimentos indecifráveis e destituídos de sentido pessoal. Ainda em relação à transmissão psíquica, Flávia revelava falhas por parte de sua mãe na transmissão da feminilidade e do desejo pela maternidade. Nesse sentido, Flávia, por sua vez, mostrava-se incapaz de acreditar em seu bebê vivo e real.

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Salienta-se neste estudo a relação terapêutica marcada por uma escuta atenta, vivaz, disponível, confiável e autêntica por parte da terapeuta. Enfatiza-se que o acolhimento ao ritmo, ao tempo e ao gesto espontâneo de Flávia foi essencial neste processo. Somente assim a terapeuta pode compreender e contextualizar as vivências da paciente.