Trabalho vencedor: Gestando a gestação: A transparência psíquica embalando a gestante no tempo e no espaço da gestação

 

Autora: Maria Alice Vianna

 

Resumo: A gestação é um momento de grande transformação física e psíquica da mulher e que evoca, devido ao estado de transparência psíquica, a revivência de conflitos infantis e de angústias muito primitivas. É caracterizada por um intenso investimento em sua história pessoal e por um tempo que lhe é bem peculiar. Destaca-se a relevância de um reencontro da gestante com sua mãe terna da infância para um transcorrer saudável da gestação. Um ser olhada e cuidada pela mãe, que lhe permite fazer o mesmo com o seu bebê. Enfatiza-se também a importância da prevenção, que, ao cuidar-se da gestante, também é uma forma de cuidar-se do futuro bebê, sendo relevante, muitas vezes, a intervenção psicoterápica, também como uma ferramenta de prevenção, sobretudo nos casos em que há um adoecimento psicossomático.

 

Palavras-chave: Gestação; Transparência Psíquica; Prevenção; Cuidado

 

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Assim pensou-se num processo: gestando a gestação. Ao mesmo tempo em que o bebê é gestado, a mãe, também precisa ser gestada, seja pela sua própria mãe, pelo companheiro, pela obstetra, pela psicoterapeuta. Ser gestada, escutada, acolhida, amparada… enfim, cuidada. Sabe-se que o pai também necessita de cuidado… e é aí que entra o ambiente maior, familiar, que, ao cuidar do pai, propicia a este cuidar da mãe-gestante, e depois da dupla mãe-bebê. É nesse contexto que se buscou relacionar os conceitos Winnicottianos de tempo e espaço do estágio mais primitivo do desenvolvimento do bebê com a vivência da maternidade durante a gestação enquanto esta também evoca de primitivo.

Pôde-se perceber o quanto é necessário que a mãe possa acolher o seu bebê não apenas no espaço corpo-útero, mas também no espaço de sua mente assim como na mente do casal. E isto precisa de um tempo… tempo para que ela entre num estado regressivo de transparência psíquica, a fim de que possa comunicar-se com seu bebê. E isto requer conectar-se também com sua história(s), sua intimidade, seu íntimo, através do bebê. Um tempo que lhe é peculiar.

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Pode-se dizer que, assim como o inconsciente se revela através dos sonhos, atos-falhos e sintomas, ele também se revela na gestação através do estado de transparência psíquica. Nessa perspectiva, o fenômeno de transparência psíquica remeteu, para a autora, a conceitos metapsicológicos da carta 52. Nesta, o aparelho psíquico é descrito como sendo formado por um processo de estratificação sucessiva, onde os traços de memória estariam sujeitos, de tempos em tempos, a um reordenamento segundo novas circunstâncias, a uma retranscrição. A memória é registrada, assim, em diferentes espécies de indicações. Todo acontecimento psíquico fica assim gravado na memória, através de registros diferentes, desde o mais primitivo inconsciente até a possibilidade de se tornar consciente. (Freud,1990).

Conforme Freud (1990), os sucessivos registros representam a realização psíquica de épocas sucessivas da vida. Na fronteira entre essas épocas, deve ocorrer uma tradução do material psíquico, ou seja, uma retranscrição. Quando falta ou falha este novo arranjo do material, ele permanece de acordo com as leis vigentes no período anterior, produzindo um anacronismo, um fuero (região que vigora com leis próprias). Passou-se a refletir se o que surge, durante a gravidez, em virtude da transparência psíquica, seria da ordem do que não foi retranscrito? E assim sendo, de que tempo psíquico seria este material? Compreende-se que a transparência psíquica pode revelar esses conteúdos arcaicos, que não foram retranscritos, sendo que, na gestação, aparecem como sintomas somáticos, angústias psicóticas, sensações estranhas, terrores sem nome, e histórias “não compreendidas”.

Questionou-se também se na gestação não haveria então uma primeira oportunidade de um dado material da ordem do transcrito poder ser metabolizado, representado. Seria então, sobretudo nesses casos, em que a palavra não tem alcance, por ser da ordem do não vivido, do não representado, que o psicoterapeuta precisaria estar entregue com sua mente, seu corpo e seus órgãos do sentido para acolher a gestante. Sentir com seu próprio corpo, posto que a gestante não consegue expressar em palavras, e assim tentar juntas os fios que estão soltos dessas histórias, para que esta possa passar a fazer sentido. Isto é, pôr em palavras algo que é anterior à palavra, através do encontro com o corpo e com a linguagem do corpo.

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Buscou-se realizar este estudo a partir de um viés de desenvolvimento, da saúde e não da patologia. Mesmo quando há adoecimento, vê-se como algo, a princípio, mais circunscrito àquele momento específico. Foi sob uma perspectiva da prevenção, que se viu o quanto se faz relevante a compreensão desse momento vital do desenvolvimento, que é a gestação, não apenas nos que compete à psicoterapia, mas incluindo-se aí todo o ambiente maior que circunda a gestante: sua mãe, seu marido, os profissionais da saúde que a acompanham.