Entrevista com Angela Wirth sobre a Jornada 2016

ENTREVISTA COM ANGELA WIRTH (coordenadora científica do ITIPOA) SOBRE O TEMA DA JORNADA 2016 “SOBRE O AMOR: SUA GÊNESE, SUAS MANIFESTAÇÕES E AMBIGUIDADES”

 

Por que a comissão científica escolheu o tema do amor para a Jornada Anual 2016?
A palavra amor traz consigo as mais exaltadas experiências da vida humana. A sua definição é ampla, inseparável da paixão, do desejo sexual, dissolução, perda, destruição, morte, regeneração, loucura.

Essa condensação em uma palavra está a serviço de uma realização de desejo infantil que procura esquecer os contrários do amor, o ódio, a indiferença, a crueldade. A palavra amor tem como função apagar as diferenças de significados, que vão desde o mais trivial, o amor de sabores, cores até o mais elementar o amor à vida, passando pelo místico, amor à Deus, amor à verdade e por todos os amores terrestres, pais, filhos, irmãos, pátria, etc. e o mais frágil e íntimo, o amor sexual.

O termo também engloba todas as ideologias do amor que fundamentam convicções, crenças, ideais e justificam toda espécie de ataques e chacinas perpetrados ao longo da história da humanidade.

 

Como serão compostas as mesas da Jornada?
Freud (1915) em Pulsões e destinos da pulsão distingue o amor sexual, do investimento terno e do amor na acepção geral do termo. Poderíamos pensar em três componentes do amor: excitação, ideal, ternura, cada um com suas lógicas próprias.

Freud, nesse trabalho de 1915, examina as diferentes clivagens e oposições nas quais o amor participa: amar/odiar, amar/ser amado e amar e odiar juntos em oposição ao estado de indiferença. Foi pensando nessas diferentes formas que organizamos as três mesas da jornada.

Eros, o deus do amor, é visto como a força fundamental do mundo, que assegura a coesão e a continuidade das espécies. Iniciaremos com a mesa Eros e Thanatus: Amor, Ódio e Indiferença, na qual abordaremos a clivagem, a ambivalência, o contraponto entre amor, ódio e indiferença. Eros, o deus do amor, é visto como a força fundamental do mundo, que assegura a coesão e a continuidade das espécies.

A segunda mesa será As Buscas de Eros: Amar e Ser Amado. Aqui buscaremos abordar as diferenças, especialmente como se constrói a capacidade de amar desde a primeira relação humana, mãe-bebê.

A arte nos fornece uma representação do amor, no que é sublime e cruel, obtida pela intuição. Encerraremos a Jornada com a mesa: O Amor e a Busca de Representação: Literatura e Psicanálise dois caminhos possíveis.

 

O amor é tema central de todas as artes, da literatura ao cinema, passando pelas artes plásticas e musicais. De que forma a intersecção entre arte e psicanálise pode auxiliar na compreensão de um sentimento como o amor?
Os artistas conseguem representar a natureza do humano, dão voz, cor, forma ao que passa no interior da alma/psiquê/emoções humanas. A psicanálise por sua vez é a ciência que se ocupa do psiquismo, sua construção e funcionamento.

Freud transitava entre a clinica e a arte de uma forma surpreendente. O criador da psicanálise foi um leitor voraz e a literatura sem dúvida influenciou sua obra. Podemos observar o uso que ele faz da obra de Shakespeare. Ele, assim como Freud, mergulhou na exploração da alma humana e dos seus conflitos, tumultos, fantasmas, loucuras. Hoje, 500 anos após sua morte, sua obra nos toca por falar de algo que é universal e atemporal, a essência humana. Freud não somente o leu, como o citou inúmeras vezes ao longo da vida e obra.

Pensando na intersecção entre arte e psicanálise, convidamos um escritor para nos trazer a sua experiência.

 

O romantismo, cujo marco inicial é Werther, de Goethe, colocou o amor no centro da literatura, porém trata-se de um amor platônico e visceral, o que se vê muito pouco na literatura contemporânea. Será que hoje em dia nós amamos menos?
Não, hoje as formas de representar o amor são diferentes, mas na sua essência a natureza humana segue a mesma.

Os escritores estão inseridos no meio sociocultural de sua época. O que vemos na literatura tem a ver com esses aspectos. Por exemplo, a repressão da sexualidade não é a mesma da época de Freud. Ao contrario, ela, a sexualidade, está demasiadamente manifesta. Observamos a necessidade de prazer imediato, pouca tolerância ao desprazer, ao lado de uma desvalorização das relações afetivas estáveis.

Se na época de Freud os conflitos giravam em torno da repressão da sexualidade, hoje o sofrimento se relaciona com a inibição das relações de amor, com a depressão, a solidão e o vazio existencial.

 

É reconhecido que Freud era um grande apreciador de Goethe e Schiller. Assim, é possível que o amor romântico tenha influenciado a sua obra?
Sim e não, explico. Freud interagia com a obra que lia. Goethe foi tão citado por Freud quanto Shakespeare. Os interesses científicos de Goethe reverberam na obra de Freud. As referências a Goethe também estão em textos técnicos, onde um pensamento poético se alia a um pensamento metapsicológico.

Schiller foi outro autor do romantismo alemão apreciado por Freud.Ele o chamava de poeta-filósofo. Em O Mal-estar na Civilização, Freud reconhece: “No completo desnorteio inicial, uma frase do poeta-filósofo Schiller, segundo a qual ‘fome e amor’ sustentam a máquina do mundo, forneceu-me um ponto de partida.”

Mas, como adverte Green, Freud não aderiu ao romantismo, rompeu com ele através da sua concepção de Eros. Para Freud as pulsões estão intimamente ligadas ao corpo, a unidade somatopsíquica. Eros é a entidade teórica que engloba todas as pulsões que não fazem parte das pulsões de destruição; sua função é a ligação, a unificação, a conservação.

 

Dentro da relação psicanalítica, é possível dizer que a transferência é uma espécie de apaixonamento?Sim, o motor da ação analítica é a transferência, ela é o elo de ligação. O amor está no centro da experiência psicanalítica desde o início da sua descoberta pela relação transferência/contratransferência. A relação transferencial constitui o cerne da relação analítica.

A constituição do psiquismo é o produto do encontro entre a pulsão e o outro, mãe-bebê e, na análise, o encontro entre paciente e analista.

 

Sobre a relação amor/ódio/indiferença, como a psicanálise enxerga estes termos?
Entre o amor e o ódio existe uma conexão com o objeto/outro. Amor e ódio se apresentam como diferentes em relação ao conteúdo, mas não provém da clivagem de um objeto. As origens diferem, mas ambos estão influenciados e têm o seu desenvolvimento relacionado ao prazer – desprazer. O ódio é a exteriorização de uma relação de desprazer.

O amor se manifesta de forma ambivalente. Quando se rompe uma relação de amor, o ódio, em geral, toma o lugar do amor, dessa forma mantém a relação com o objeto.

Na indiferença, não existe relação com o objeto.

 

De acordo com a teoria de Freud, qual seria a diferença fundamental entre amor e paixão?
Segundo o dicionário Internacional de Psicanálise, dá-se o nome de paixão ao abandono do Eu a um objeto (pessoa, coisa ou ideias abstratas) que tomam o lugar do Ideal do Eu. É uma relação de alienação em que o objeto do desejo se converteu em objeto da necessidade. Para Freud, seria uma exacerbação do estado amoroso. Ele distinguiu três formas de paixão: a que deriva do estado amoroso, a que corresponde ao investimento de uma atividade sublimada e aquela que se aparenta mais ao ódio que ao amor. No tocante à paixão amorosa, Freud diz em 1921, em Psicologia de Grupo e Análise do Eu, é o grau de idealização do objeto e o empobrecimento do Eu, que determina a submissão do sujeito ao outro.

A paixão, diz Freud, é uma loucura que dura pouco tempo, a pessoa coloca toda sua libido na obtenção dessa satisfação que esse ideal lhe proporcionaria. Se perde o ideal surge o vazio, a depressão. Na paixão, há uma submissão total, a pessoa se entrega diretamente à decisão do outro. No amor, o indivíduo conserva a possibilidade de não se misturar com o outro, de existir.

 

Por fim, o que o público pode esperar da Jornada Anual ITIPOA 2016?
Desejamos proporcionar uma reflexão sobre o lugar do amor na teoria, na técnica e prática analítica nos dias de hoje. A comissão cientifica espera que a Jornada seja um espaço/continente de pensamentos e questionamentos sobre o amor.

A proposta da Jornada é refletir sobre os diversos significados da palavra amor. O que é necessário para amar na vida? Como se constrói a capacidade de amar? O que no método analítico está relacionado a isso? Devemos entender o amor em relação as suas primeiras e mais primitivas raízes? Ou na relação inicial com o outro? Ou devemos tomar como ponto de partida a experiência do adulto? Essas são algumas questões a serem pensadas.